Notícias

NOSSOS MERCADOS DE FERRO

By 12 de março de 2013 No Comments

Há em Fortaleza dois mercados de ferro, o Mercado dos Pinhões e o Mercado da Aerolândia. Conhecê-los é manter contato com o pouco que é preservado da Belle Époque fortalezense, que se situou, mais ou menos, entre nós, no período que vai de 1860 a 1930. Durante esses setenta anos, Fortaleza aformoseou-se com a introdução de elementos da cultura francesa, no bairro do Jacarecanga, no Benfica, e no Mercado de Ferro, porque de princípio era só um mercado que depois foi dividido em dois. Para conhecer a história desse mercado é preciso que se retorne ao ano de 1897.

Esse retorno pode se tornar mais fácil se for na companhia de Isabel Paz e Natália Maia. É que as duas encetaram pesquisa sobre esses dois ícones da nossa memória urbana. O resultado do trabalho serviu para a conclusão do Curso de Jornalismo das duas. São 142 páginas de dados históricos, entrevistas, depoimentos e apreciações pessoais em torno dos mercados. O título, “Seis quilômetros entre nós dois”, já demarca a distância entre o Mercado dos Pinhões e o Mercado da Aerolândia. Acontece que os dois, anteriormente, formavam um só mercado. Importado da França, ele foi instalado inicialmente no centro de Fortaleza entre as ruas Floriano Peixoto e General Bezerril.

O mentor dessa ideia de trazer um mercado de 210 mil quilos da França para o Brasil foi do intendente municipal da época, Guilherme Rocha. O intendente correspondia ao que hoje é o Prefeito. Pois esse cidadão foi um dos melhores administradores que Fortaleza já possuiu. Ficou à frente dos destinos da cidade por 20 anos, de 1892 a 1912. Ele aformoseou Fortaleza. Era um homem de muito bom gosto, e incentivou a construção de sobrados na cidade, além de realizar obras como “o Passeio Público, os cafés e o jardim da Praça do Ferreira, os bondes, o Cine Theatro Majestic e calçamentos de ruas”, conforme citam as duas autoras.

As autoras contam, baseadas em documentos da época, que o mercado foi inaugurado em 18 de abril de 1897, no local da Praça Capistrano de Abreu, onde hoje estão instalados o Banco do Brasil e o Palácio do Comércio, no Centro. Em 1937 esse Mercado de Ferro foi desmontado e dividido em dois, um foi para o Mercado São Sebastião e o outro foi ser Mercado dos Pinhões. Em 1968, a parte que formava o Mercado São Sebastião foi desmontada e transferida para o Bairro Aerolândia onde foi instalada e permanece até hoje. Assim tem-se uma cronologia do Mercado inicial desde que chegou da França até nossos dias.

Feito esse apanhado histórico necessário, as autoras, a partir da distância física de 6 km entre os dois, começaram a confrontar também a distância utilitária que os dois estabelecem nos dias atuais. Haja vista que o Mercado dos Pinhões está em razoável atividade cultural enquanto o Mercado da Aerolândia está em quase total abandono. Frisam, no entanto, as autoras, a importância histórica dos dois ícones da nossa memória e a necessidade de preservação dos mesmos, com a utilização de suas potencialidades.

Isabel e Natália colocaram os dois mercados para falarem. Essa personificação dos ícones é construída através do carinho e da perspicácia com que as duas vão ingressando nos meandros dos dois personagens de ferro. Primeiro vem a descrição minuciosa de cada detalhe físico da estrutura, depois a participação das pessoas naquele ambiente de estar. Aos poucos o texto bem urdido vai ligando a anatomia das pessoas a uma mítica ossatura do simpático personagem de ferro. Há uma ternura que se esvai dessa interessante relação.

Nessa relação de ternura, há momentos pungentes em que as pesquisadoras, entrevistando os permissionários dos mercados, estabelecem uma relação afetiva triádica em que se confundem Mercado, usuários e autoras. Há daí a constatação de que a corrosão que se abate sobre as estruturas de ferro contamina as pessoas que o utilizam e respinga sobre as duas estudantes. Esse trio estabelece uma relação de intimidade tão grande que um fala pelo outro em perfeita harmonia. Essa transfiguração só é capaz quando autor e personagem se imbricam numa só criatura.

Essa relação é tão frutífera, que as pesquisadoras já participando da vida dos seus personagens já se preocupam com a promoção de cada um, e promovem oficinas de artes e ofícios para que laços sejam estabelecidos com mais solidez. Essas atitudes levam o leitor a querer fazer parte desses encontros com Isabel, Natália, dona Bizé, dona Alda, a Lôra, dona Diva, seu Mundico, Pedro, seu Dadá, Carlim, Josy, Mel, dona Carmem, Luzia e o mercado. Afinal todos falam pelo texto como se cada um estivesse se narrando como forma de dar um sentido a um existir que também é da cidade.

Depois de todo o percurso que se faz pelo texto e pela cidade da memória: Centro, Aldeota, Otávio Bonfim e Aerolândia, procura-se saber quem redigiu esse livro reportagem. Teria sido Isabel Paz, Natália Maia ou as duas? É difícil saber, pois o estilo é uno e dificilmente duas escritas seriam tão íntimas. Acredito que uma pode ter feito a pesquisa de campo e outra redigido o texto. Isso não importa tanto quanto o resultado final que é revisitar esse monturo de memórias de nossa cidade que esquecemos de preservar.

Fonte: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1241054#ixzz2NKp8wR2p

FACIC

About FACIC

Leave a Reply